Tem gente que vai ficando na nossa vida. A gente conhece, se envolve,
termina, mas não coloca um ponto final. De alguma forma a coisa segue.
Às vezes, na forma de um saudosismo cheio de desejo, uma intimidade que
fica a milímetros de virar sexo. Em outras, como sexo mesmo, refeição
completa que mata a fome mas não satisfaz, e ainda pode causar dor de
barriga. Eu chamo isso de caso inacabado.
Minha impressão
é que todo mundo tem ou teve alguma coisa assim na vida. Talvez seja
inevitável, uma vez que nem todas as relações terminam com o total
esgotamento emocional. Na maior parte das vezes, temos dúvida, temos
afeto, temos tesão, mas as coisas, ainda assim, acabam. Porque o outro
não quer. Porque os santos não batem. Porque uma terceira pessoa aparece
e tumultua tudo. Mas o encerramento do namoro (ou equivalente) não
elimina os sentimentos. Eles continuam lá, e podem se tornar um caso
inacabado.
Isso às vezes acontece por fraqueza ou
comodismo. Você sabe que não está mais apaixonado, mas a pessoa está lá,
dando sopa, e você está carente... Fica fácil telefonar e fazer um
reatamento provisório. Se os dois estiverem na mesma vibração – ou seja,
desapaixonados – menos mal. Mas em geral não é isso.
Quase
sempre nesse tipo de arranjo tem alguém apaixonado (ou pelo menos,
dedicado) e outro alguém que está menos aí. A relação fica desigual. De
um lado, há uma pessoa cheia de esperança no presente. Do outro, alguém
com o corpo aqui, mas a cabeça no futuro, esperando, espiando, a fim de
algo melhor.
Claro, não é preciso ser psicólogo para
perceber que mesmo nesses arranjos desequilibrados a pessoa que não ama
também está enredada. De alguma forma ela não consegue sair. Pode ser
que apenas um dos dois faça gestos apaixonados e se mostre vulnerável,
mas continua havendo dois na relação. Talvez a pessoa mais frágil seja,
afinal, a mais forte nesse tipo de caso. Pelo menos ela sabe o que está
fazendo ali.
A pessoa sai da sua cama,
sai até da sua vida, mas continua ocupando um espaço na sua cabeça. Você
pode apenas sonhar com ela, pode falar por telefone uma vez por mês ou
trocar emails todos os dias. De alguma forma, a história não acabou. A
castidade existe, mas ela é apenas aparente. Na vida emocional, dentro
de nós, a pessoa ainda ocupa um espaço erótico e afetivo inconfessável.
Esse
tipo de caso inacabado é horrível. Ele atrapalha a evolução da vida.
Com uma pendência dessas, a gente não avança. Você encontra gente legal,
mas não se vincula porque sua cabeça está presa lá atrás. Ou você se
envolve, mas esconde do novo amor uma área secreta na qual só cabem você
e o caso inacabado.
Há
outro tipo de caso inacabado que não dói. São aquelas pessoas de quem
você vai gostar a vida toda, cuja simples visão é capaz de causar
felicidade. Elas existem. Você não vai largar a mulher que ama para
correr atrás de uma figura dessas, mas, cada vez que ela aparecer, vai
causar em você uma insurgência incontrolável de ternura, de saudades, de
carinho. O desejo, que já foi imenso, envelheceu num barril de carvalho
e virou outra coisa, meio budista. Você olha, você lembra, você poderia
querer – mas já não quer. Você fica feliz por ela, e esse sentimento é
uma delícia.
Para encerrar, uma observação: o alcance e a
duração dos casos inacabados dependem do momento da vida. Se você está
solto por aí, vira presa fácil desse tipo de envolvimento. Acontece
muito quando a gente é jovem, também se repete quando a gente é mais
velho e está desvinculado. Mas um grande amor, em qualquer idade, tende a
por as coisas no lugar. Uma relação intensa, duradoura, faz com que a
gente coloque em perspectiva esses enroscos. Eles não são para a vida
inteira, eles não determinam a nossa vida. Quem faz diferença é quem nos
aceita e quem nós recebemos em nossa vida.
O que faz diferença é o que
fica. O resto passa, que nem um porre feliz ou uma ressaca dolorosa.
Puta que pariu Larissa. Ler esse seu texto, entender que de alguma forma você viveu isso. Nossa, me vi num espelho. Agora vendo você e o Bruno... Potz. Será que é só deixar passar o tempo?
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