Essa é uma história não-romântica. É uma história com textão. Ela é um tanto quanto curta, quando se fala de 11 anos.
Me lembro de quando vi um beagle pela primeira vez. Ele, no começo devia se perguntar quem era aquela estranha que ficava dobrando sua orelha gigante e falando o quanto ele era lindo, fofo e todos esses adjetivos que a gente baba quando se gosta muito de cachorros.
A primeira vez que dei banho nele, ele não podia fugir de mim porque estava dentro do tanque, mas me admirava sua colaboração em dar a pata sempre certa para a gente lavar e ainda sorrir. Sim! Cachorros sorriem, nunca notou? E ele sorria. Sempre sorriu. Abria a boca, todos os dentes a mostra e língua saltitante. Que sorriso!
Talvez seja sorriso uma das coisas que mais vamos sentir falta.
De
repente, estava conectada a ele de uma maneira incrível. Ele chegou sem
querer e de repente, não havia mais uma vida sem ele.
Me lembro
que a primeira vez que fiquei sozinha na casa do Bruno, foi quando ele foi
assistir o jogo do São Paulo. Um clássico! Eu, cagona que sempre fui, peguei
meu punhado de balas e ficamos eu e Billy deitados no colchão do
quarto, assistindo o jogo e comendo bala de morango. Ele era parceiro!
O Billy
participou de mais churrascos do que nossos próprios amigos. Bebeu cerveja,
caipirinha e já dançou com geral. Já ouviu muitos desabafos e para ele, já até
pediram muito conselho, eu já inclusive.
Sempre
sorriu quando estava feliz, olhou desconfiado quando achava que ia ser passado
para trás e ficava chateado por diversos motivos. Mas sempre companheiro.
Sempre perto de alguém. Quando ele sabia que ia ter festa, era o momento que
ele esperava a semana toda. Adorava gente, adorava pessoas, não gostava de
ficar sozinho.
Billy
sempre comeu mais pipoca do que a gente, sempre dava carinho e prestava atenção
em tudo o que a gente falava. Roubava algumas coisas e escondia pela casa e se
a gente achasse, ficava puto. Do tipo bem puto. Do tipo: "Cara! Cavei um
buraco, escondi e você me descobriu."
Adorava
passear de carro. Fechava o olho, botava a cabeça para fora e curtia como quem
pedia para correr só mais um pouquinho.
Quantos
dias incríveis!
Billy
sempre foi mais humano que cachorro.
Eu disse
lá no começo que não era uma história romântica?
No mês de
Maio de 2016, dia das mães, pela primeira vez, de tristeza pelo Billy nós
choramos. Nos desesperamos. Rezamos!
09 de
Junho de 2016 - 1º dia
Tivemos
nossa primeira consulta ao oncologista. Em Maio, descobrimos que o Billy tinha
um um tumor no baço e era um Hemangiossarcoma, um tipo de câncer agressivo em cães. Ele
removeu um tumor de 10 cm e junto com ele, também o baço. O que tínhamos medo
veio logo depois da cirurgia, já havia espalhado diversas metástases pelo seu
corpo. Tínhamos uma bomba relógio e precisávamos tomar uma decisão.
O
oncologista disse tanta coisa que é como se tudo dançasse sobre a gente. Algo
me puxou de volta: De 6 meses a dois anos!
Esse era
nosso prazo. Esse tempo era o estimado para o Billy. Tínhamos uma decisão a
tomar: Fazer a quimioterapia e aumentar as chances de vida de um ano até dois
anos ou manteríamos sem a quimioterapia e aceitaríamos os seis meses ou quanto
tempo mais ganhássemos de presente do mundo?
E então
deu se a largada de vida do Billy.
Naquela
semana tínhamos uma escolha a fazer.
Nós
enrolamos, mesmo que inconscientemente, mas enrolamos dois dias para falar
sobre a quinta-feira. E estávamos no sábado a noite em um dos nossos
restaurantes preferidos, falando de coisas aleatórias e rindo de qualquer
coisa. O Billy entrou na conversa. Entre uma garfada e outra na empanada que
estávamos comendo e entre uma Quilmes e outra, veio o desabafo das horas que
foram longas após aquela quinta-feira, veio a decisão de não optar pela
quimioterapia e aceitação de curtir os dias e meses que viriam a seguir,
fazendo com que o Billy vivesse a vida que ainda tinha com a gente da melhor
maneira possível. Precisamos deixar nosso egoísmo de lado e pensar no que ele
merecia e não no que nós queríamos. Engolimos o choro e sorrimos.
No mês de
Julho, fizemos o nosso primeiro exame de rotina após optar por não fazer a
quimioterapia. Os exames auxiliavam para acompanhar o desenvolvimento e
crescimento das metástases e também o funcionamento dos órgãos.
O
resultado não poderia ser melhor! Billy estava lindão e sem nenhuma alteração
ou avanço do câncer. Nosso coração? Ah, ele não cabia dentro do peito de tanta
felicidade e alívio. Iríamos para o segundo mês, saudáveis e com muuuita comida
gostosa e pipoca para comermos juntos ainda.
Billy
sorriu ao ouvir as recomendações do doutor:
'Agora é
monitorar e ter qualidade de vida. Não deixar ele passar vontade do que ele
gosta. O segredo é dar tudo o que ele quiser comer. Aproveita seu companheiro'.
Em
Novembro, o nosso vampirinho passou pela sua 4ª transfusão de sangue.
Descobrimos no dia, junto com o Doutor legal que liberou o Billy comer o que
ele quisesse para não passar vontades (menos doce), que as metástases haviam
desenvolvido em seu fígado. Uma, duas, três, quatro, cinco... incontáveis
delas. Algumas maiores e outras menores. E a gente se pergunta, como é possível
que aquelas manchinhas que parecem tão inocentes, que vemos no monitor do
ultrassom, podem aos poucos sugar uma vida dessa forma?
Depois da
angústia de possível rejeição na transfusão, tivemos a notícia de que o Billy
havia passado por mais essa. Estava já sentado, felizão, de rabo abanando,
língua de fora e apetite de um beagle. É oficial! Tínhamos um vampiro em casa!
Nada como um sangue novo para deixar ele novinho em folha.
No dia 24
de Dezembro, entre um preparativo de Natal e outro, Billy não amanheceu o
cachorro mais feliz do mundo. Bateu a tensão! É natal! Será?
No dia 25
tivemos a notícia de que a decisão dependia somente da gente.
Você
pensa muito!
Pensa que
não pode ser egoísta por prolongar a vida de alguém por você. Você pensa. Você
sofre. Você aceita.
O nosso
Feliz Natal em família, veio no dia 26.
Enquanto
esperávamos no consultório, foram pegar o Billy e na volta, teríamos de dizer
em voz alta: vamos optar pela eutanásia! E desde Maio, aquele havia sido o
momento e a decisão mais difíceis.
Enquanto
esperávamos, havia um quadrinho pendurado na parede escrito 'Sorte'.
E pensei, apesar do momento, quanta sorte tivemos durante todos os anos e dias
em que tivemos o Billy com a gente.
Ele já
havia lutado tanto, nos ensinado tanto e nos mostrou que junto com ele,
havíamos construído a nossa família.
Quando o
Dr. abriu a porta, para nossa surpresa o Billy não estava nos braços dele. Ele
entrou sozinho, andando, abanando o rabo e veio com um sorriso de orelha a
orelha, como quem diz: 'Que bom ver vocês aqui, vamos para casa?'.
Ninguém
soube dizer ou explicar. Não fizemos nova transfusão de sangue. Chegamos nos
preparando para uma despedida e saímos dali junto com ele, de volta para casa,
para comemorar nosso natal atrasado com o Billy. Ele lutou pela vida, mais uma
vez.
De
repente a vida nos sorriu de volta e sorte! Quanta sorte a nossa!
Desde o
Natal, Billy testou seu paladar e todos os pratos. Descobriu que amava bolo de
banana, salame, tapioca e descobriu que um dos seus pratos preferidos era
lasanha.
Ele
deitou por alguns cantos da casa e por muitas vezes, sorriu!
Comprovamos
cientificamente que lasanha causa efeitos colaterais de felicidade.
Temos
tido desde aquele 26 de dezembro, que vivemos com o Billy um dia após o outro.
Dias ele acordava sem conseguir se levantar mas encerrava o dia subindo sozinho
no sofá ou querendo dominar o mundo.
Ele tem
tido nos últimos dias o hábito que gostar de ficar na praça. À toa. Pastando.
Tipo cavalo, sabe?
Uma praça
com muita grama para comer e um bom sossego. A segunda-feira foi um desses
dias. Começamos o dia mal, à tarde comemos uma carne de cupim do domingo e um
frango empanado no estilo americano. Billy nos últimos dias, se tornou amigo do
frango. E o dia encerrou sob uma garoa na praça e um pouco de um bom sossego.
19 de
Janeiro
Parece
óbvio quando alguém te manda respirar. "Ô meu Deus. Respira", eu lia
em uma mensagem de uma amiga. Estou respirando, não estou? Não, não estava. E
de repente, parei para respirar. Respirava fundo, olhava para cima, sorria.
Respirava, contava até três e não tinha nada em mente. Tudo sumiu. Tudo
parou.
E do
outro lado da linha, Bruno me dizia: Billy virou uma estrelinha.
E assim,
em uma quinta-feira de chuva o Billy partiu.
Ele
lutou, todos os dias, 24 horas de cada dia. Lutou com o pouquinho de força que
ainda tinha e com as que davam a ele. Ficou todo tempo perto da gente,
explodindo um amor invisível aos olhos. E ele ficaria mais sete vidas. Ele
queria tanto viver, recebia tanto amor e cafuné de tanta gente, que queria
sempre ficar mais um pouquinho e todos os dias ele se agarrou nas chances que
tinha e viveu da maneira mais intensa que podia. E da maneira mais linda.
Ele quem
começou a nossa família. Ele quem mostrou um amor que a gente não
conhecia.
Cachorros
não poderiam ter o mesmo tempo de vida do que nós humanos.
Cachorros
nascem já amando de uma maneira que nós levamos uma vida inteira para aprender.
Nós e o
Billy agradecemos de uma maneira imensurável à todos. Também aos amigos, conhecidos e
todos que conheceram e deram, em algum momento, o cafuné que o Billy tanto
gostava. À clínica Latidos e Miados, que sempre fez tudo o que podia e o que
não podia, sempre com MUITO amor.
No dia 16
de Junho de 2012, nos encontramos.
No dia 19
de Abril de 2014, ele virou tatuagem.
No dia 19
de Janeiro de 2017, uma estrela orelhuda no céu.
"Cães têm uma forma
de encontrar as pessoas que deles necessitam,
preenchendo um vazio que nem sequer elas sabem que tem."
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